Num mundo cada vez mais digitalizado, onde as crianças passam grande parte do seu tempo em espaços interiores e em frente a ecrãs, a necessidade de criar alternativas à aprendizagem tradicional dentro de sala de aula torna-se cada vez mais urgente. É nesse contexto que a educação outdoor surge como uma resposta inovadora e promissora.
Explorando o mundo com todos os sentidos
Ao invés de se limitar às quatro paredes da sala de aula, a educação outdoor transforma o ambiente natural (o recreio, um jardim, uma floresta ou um campo de cultivo perto da escola) num espaço de aprendizagem vibrante. As crianças tornam-se protagonistas do seu próprio processo de aprendizagem, explorando, vivenciando e conectando-se com o mundo à sua volta, de forma ativa e significativa.
Aprendendo com a natureza
Através da exploração, da experimentação e da descoberta proporcionada por atividades bem estruturadas e encadeadas, as crianças desenvolvem uma conexão profunda com a natureza, que as desperta. Desperta-se assim a curiosidade, a criatividade e a “sede” natural pelo conhecimento, o que resulta num movimento natural de procura ativa por aprender! As crianças deparam-se com desafios e oportunidades inéditos, que estimulam o pensamento crítico, a resolução de problemas e a capacidade de trabalhar em equipa – sem querer estão a aprender!
Mas o que é educação outdoor?
Trata-se de uma abordagem educativa que utiliza o ambiente natural como sala de aula, proporcionando às crianças aprendizagens holísticas e significativas através da exploração, da experimentação e da descoberta do meio natural que as envolve.
Dois casos práticos no Brincar de Ruas escolas:
O estranho caso dos caracóis corredores. No início da época das chuvas, o pátio da escola encheu-se de caracóis. O sentimento geral das crianças varia entre a curiosidade por aquele animal engraçado e o nojo pelo rasto deixado pelo muco na deslocação – razões suficientes para aprofundarmos a nossa relação com o caracol! Começa com um desafio: observar primeiro (para os que estão mais à vontade para tocar); descrever para toda a turma as observações; e depois um desafio em jeito de brincadeira: cada criança do grupo inicial coloca o seu caracol no centro de um círculo desenhado a giz no chão e vamos fazer uma corrida – ganha o primeiro caracol a sair do círculo! A atividade serve para “agarrar” as crianças e tornar o caracol no centro das atenções, despertando-lhes a vontade de quererem saber mais: “sabiam que os caracóis têm centenas de “micro pés”?” (que na verdade se chamam cílios e os ajudam a perceber a superfície em que se estão a deslocar). Medimos as distâncias percorridas pelos caracóis nas corridas e o tempo que o levaram a fazer; desenhamos e falamos sobre as conchas (e sobre a grande peregrinação que se realiza no Reguengo do Fetal); desenhamos e construímos “hotéis” para os caracóis e até uma clínica para “tratar” aqueles com a casca partida; fizemos origamis (caixa) para transportar os caracóis para casa. As perguntas das crianças levaram-nos a explorar diversas curiosidades sobre os caracóis, os seus hábitos e o seu papel no ecossistema, resultando em apresentações escritas e orais sobre o animal (realizadas em exclusivo pelas crianças).
Voar sem motor – as sementes “helicóptero”. Com o aumento da humidade no Outono, as sementes aladas dos bordos (ou plátanos bastardos) invadem a cidade e as florestas ao redor de Leiria. Estes “mini-helicópteros” da natureza são a inspiração para uma das nossas brincadeiras favoritas: lançar as sementes ao ar e observar seu voo lento e gracioso.
As crianças fascinam-se com a leveza e a capacidade das sementes de voar sem motor, bateria ou comando – e esse é o ponto de partida para querer saber mais. As observações levam-nos a falar sobre o papel do vento, a conhecer outras sementes e estratégias de dispersão das plantas, essenciais para a vida no planeta – e apanham novas sementes para elas próprias dispersarem por outras paragens. Para finalizar este ciclo de aulas, criamos um modelo em origami que reproduz a estratégia dos bordos, inspirando a invenção do sistema de hélices do helicóptero. A natureza ensina-nos como se faz! E as crianças levam para casa lições valiosas sobre o mundo ao seu redor.
Benefícios da educação outdoor:
Na verdade a educação outdoor tem décadas de desenvolvimento pedagógico e é já relevante a quantidade de estudos que suportam os benefícios da sua aplicação. Os benefícios mais relevantes identificados são:
- Conexão com a natureza: As crianças desenvolvem uma consciência ambiental e um senso de responsabilidade pela preservação do planeta.
- Desenvolvimento integral: competências motoras, sociais, emocionais e cognitivas são desenvolvidas de forma holística.
- Aprendizagem a partir da experiência: O conhecimento é adquirido de forma significativa e autónoma.
- Competências essenciais: Criatividade, resolução de problemas, comunicação, trabalho em equipe e pensamento crítico fazem parte da forma como a experiência pedagógica é desenhada.
É possível introduzir o ensino outdoor na escola dita tradicional?
Não se trata de substituir a educação tradicional, mas sim de complementá-la e enriquecê-la, proporcionando às crianças experiências de aprendizagem mais significativas, envolventes e conectadas com o mundo natural.
Surgem obviamente desafios: desde logo a infraestrutura pobre em espaços naturais da escola que exige, na maioria dos casos, encontrar alternativas na comunidade; a formação dos docentes, que começa com uma formação inicial de professores pobre nesta abordagem e se prolonga na forma como os currículos são apresentados aos docentes, com pouco ou nenhum suporte para as experiências de aprendizagem ao ar livre – a integração da ensino outdoor no currículo escolar exige um planeamento cuidadoso que articule os objetivos de aprendizagem com as atividades ao ar livre; e a logística e os equipamentos que são necessários garantir para que a experiência seja confortável, tranquila e desafiadora – e que tradicionalmente não existem nas escolas.
O que a experiência mostra é que encontrando formas de superar estes desafios a escola tradicional cria oportunidades únicas para promover experiências de aprendizagem únicas, o desenvolvimento integral das crianças e, em última análise, de promover a construção de uma sociedade mais sustentável.
O caminho da Ludotempo:
Com base nos 5 anos de experiência do programa Brincar de Rua Escolas e de projetos satélite realizados durante este percurso, a Ludotempo consolidou um profundo conhecimento sobre as necessidades e os desafios do ensino outdoor. Essa experiência, culmina agora no desenvolvimento do Programa Aulas Verdes, um programa inovador que leva às escolas do primeiro ciclo do ensino básico, da região de Leiria, a oportunidade de implementar experiências de ensino outdoor para as suas crianças, capacitando também os professores titulares.
Uma equipa de Educadores experientes e apaixonados pelo ensino outdoor desenhou uma experiência de aprendizagem que acompanha cada turma durante um ano letivo, levando crianças e professores a conhecer o ecossistema circundante à escola, perceber as suas particularidades e relações e com isso potenciar aprendizagens significativas em várias áreas curriculares (desde as ciências naturais, até à matemática, passando pela língua portuguesa e pela expressão plástica/ artes visuais).
Uma escola mais desafiante, que dá voz às necessidades globais das crianças, que promove o contacto com a natureza e com a comunidade em torno da escola, cria mais oportunidades para todos encontrarem o prazer e o sucesso na aventura da busca do conhecimento e do empoderamento. O Ensino outdoor é, por isso, uma ferramenta poderosíssima e, sobretudo, acessível para provocar a transição para construirmos, juntos, um futuro mais sustentável e promissor para as nossas crianças!
Para saber mais sobre o Programa Aulas Verdes e como levar a educação outdoor para a sua escola, clique aqui.
Fontes:
- Chawla, Louise – “Feelings for the Natural World: A Theoretical Framework for Linking Children’s Affection for Nature to Environmental Awareness and Behavior.” Children, Schools & Communities, 1999, 2(1), 22-43.
- Hanscom, Angela, “Descalços e felizes” , Livros Horizonte, 2018
- Louv, Richard – “Last Child in the Woods: Saving Our Children from Nature-Deficit Disorder.” Atlantic Books, 2017.
- Sobel, David – “Childhood and Nature: Design, Play, and Learning.” White River Press, 2013.
Leave a Reply