Se pensarmos na realidade antes da pandemia, as oportunidades para brincar ao ar livre que eram dadas à maioria das crianças eram já reduzidas. O Estudo “Portugal a Brincar”, coordenado por Rui Mendes e elaborado pela Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) em parceria com o Instituto de Apoio à Criança revelou que a rua ocupa a última posição no que respeita ao local onde as crianças brincam (2,2%).
Quais são os principais “inimigos” para as crianças saírem à rua?
- trânsito mais intenso
- entretenimento digital (88% das crianças entre os 6 e 10 anos, passam mais de 3h por dia em frente aos ecrãs, segundo um recente estudo da Universidade de Coimbra, publicado na revista científica BMC Public Health)
- a superproteção e medos dos pais
- o paradigma no mercado de trabalho e consequente falta de disponibilidade dos pais (Portugal tem uma média superior à da União Europeia, com 40,8 horas em Portugal trabalhadas, segundo o relatório “Working Time in 2017-2018″ da Eurofound)
- Sobrecarga da agenda das crianças com atividades estruturadas.
Para Carlos Neto, professor e investigador da FMH (Universidade de Lisboa), “é tempo de decretar o estado de emergência na infância em tempos de pandemia” e “não ter uma visão obsessiva de estarmos a limitar as crianças na sua expressividade e corporalidade”.
Brincar ao ar livre. Quais os benefícios?
Enumeramos 5 razões, que ganham especial importância pelo contexto que vivemos:
1. Cuidar da saúde mental
Meses depois de estarem fechadas em casa e a atravessar um ano letivo desafiante, os tempos exigem que cuidemos da saúde emocional das crianças.
O contacto com a natureza é rico em estímulos para a criança e muitos são os estudos que demonstram que o mesmo diminui a aptidão a transtornos de déficit de atenção ou hiperatividade, bem como estados de ansiedade ou depressão. Segundo a psicóloga Laura Sanches, o tempo para brincar ao ar livre é “sempre essencial mas, nos momentos de tensão ainda mais importantes se tornam. A brincadeira livre é uma forma essencial das crianças libertarem o stress (…), por isso, em tempos difíceis, precisa de ser privilegiada mais do que nunca”.
2. Cuidar da saúde física
Se antes os níveis de sedentarismo e excesso de peso nas crianças já eram preocupantes, o confinamento por causa do covid-19 veio agravar o cenário e mostrar que as crianças chegavam a passar 80% do tempo sem qualquer atividade física. Neste ano letivo, a pandemia obriga às crianças mais tempo de cadeira, a tempo reduzido de intervalos, sendo que os últimos meses foram tempos – ainda mais – de ecrãs. Para além de crianças mais ativas, o brincar reforça o sistema imunitário e, por isso, o organismo ganhará maior resistência a doenças.
3. Aumenta o sentido de comunidade e o respeito pela natureza e o espaço público
Nesta pandemia, caminhámos juntos para relações de vizinhança mais fortes. É preciso (re)criar relações de confiança entre a comunidade, no bairro. Brincar ao ar livre reforça o sentimento de pertença e incentiva a criar laços entre pessoas, potenciando a participação mais ativa de cada um na comunidade da qual faz parte. Para além disso, brincar ao ar livre potencia nas crianças uma maior compreensão pela natureza e, por isso, tendem a respeitá-la.
4. Desenvolve competências como confiança, resiliência e criatividade
Dizem que as crianças se adaptam bem às circunstâncias que vivemos de pandemia. A capacidade de adaptação e resiliência são algumas das competências potenciadas no brincar livre no exterior. Porque garantir à criança tempo para brincar ao ar livre? Porque potencia experiências e dá-lhe ferramentas para, no futuro, lidar com situações inesperadas. Correr riscos, enfrentar conflitos (entre os pares) e geri-los enquanto se brinca promove um adulto mais confiante, resiliente e criativo. E a criatividade é uma das competências muito procuradas no mercado de trabalho (procuram-se soluções alternativas aos problemas).
5. Novas oportunidades de socialização
Bem sabemos que impera agora o distanciamento social. Mas brincar ao ar livre, na rua, proporciona novas oportunidades de socialização, espaço para crianças do mesmo bairro se conhecerem e relacionarem. É o mote perfeito para desenvolver novos relacionamentos entre pares, potenciando também uma outra competência adquirida em contexto grupo: a capacidade de trabalhar em equipa.
Sabemos que os dias estão virados do avesso. Mas, no meio da inquietude, do medo e incerteza, há uma certeza: as crianças precisam de brincar. E, com tanto tempo fechadas entre paredes, precisam de respirar rua. De sentir a natureza. De ser criança.
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