Fechássemos nós os olhos e quando os abríssemos íamos realmente jurar que éramos um elenco contratado de um verdadeiro sonho. Quem por lá passa habitualmente, sabe que os protagonistas do Parque Radical de São Romão, em Leiria, são quase sempre os amigos de 4 patas ou um ou outro corajoso que decide esticar as pernas em jeito apressado. Quem por lá passa, sabe que estes e tantos outros parques da cidade não são, habitualmente, um palco preferencial – ou não tanto como o deviam ser – de brincadeiras entre crianças e famílias. Dia 12 de outubro, quisemos que o papel principal fosse deles. E não poderíamos adivinhar a felicidade que ali testemunharíamos.
Chegavam brincadores de todas as entradas disponíveis daquele agradável espaço verde da cidade.
Sentássemos nós num dos bancos livres, lá longe, e notaríamos as pequenas mãos acanhadas às calças de um pai, enquanto o sorriso se balanceava entre uma vergonha desmesurada e uma inquietante vontade de explorar todos os materiais ali estrategicamente dados como perdidos.
Parássemos nós uns minutos e avistaríamos uma pré-adolescente que liderava uma bicicleta em pleno excesso de velocidade e em sentido contrário ao que os outros condutores de triciclos e trotinetes haviam decidido tomar. Contramão e excesso de velocidade plenamente justificados pela frequência indesejada no mesmo local que um colega da sua escola. Fossemos nós ainda crianças e não poderíamos estar mais de acordo: não é egoísmo querer aquele momento especial só para si.
Mas se, no início, quereria sair dali, a capacidade que a brincadeira tem em facilmente se tornar felicidade, logo a fez esquecer tal contratempo e aproveitar o tempo que tinha para ser feliz ali. Isso e a resistência do progenitor que, ao perceber a tentativa da filha em abandonar aquela promissora manhã, soltou um natural desgosto de quem acabara de chegar e ainda não tivera tempo de reviver tudo o que lhe haviam prometido: um bilhete à infância vivida, com direito a “emoção completa”: uma verdadeira viagem ao carrossel da infância, com paragem certa na montanha russa das memórias felizes…nem que fosse só mais uma voltinha na roda gigante das brincadeiras de outros tempos.
12 outubro, PLAYday São Romão, Leiria
“Já brincaram com as raquetes, já brincaram às cozinhas com as panelas, já jogaram à bola… O Pedro já anda por aí a fazer novas amizades. É uma forma de eles ficarem a conhecer a cultura, de brincarem com outras crianças e fazerem novas amizades. O parque é lindo, não há razão para ficar dentro de casa”.
Cindy Sousa, Mãe do Pedro
Enquanto estes protagonistas faziam rolar a história do brincar com toda a polpa e circunstância, o pano de fundo mostrava que a imaginação era o mote perfeito para o nascimento de coisas bonitas.
“Mãos à obra que há muito trabalho a fazer”, pensaria a maioria dos pequenos brincadores.
Era preciso acertar a pontaria no alvo; era preciso erguer pequenos blocos de madeira em grandes sonhos (casas, castelos, bancas de cozinha…); era preciso fazer nascer, no pavimento cimentado, grandes ideias ao sabor do giz; era preciso finalizar com um remate certeiro à baliza; era preciso desafiar o jogo em equipa fazendo saltitar a bola de raquete em raquete, vezes sem conta; era preciso dar vida às caixas de papelão e transformá-las ao sabor da imaginação; era preciso liderar papagaios ao sabor do vento e mostrar a Camões que, nesta manhã, “outro valor mais alto se alevanta(va)”: o das crianças terem tempo de serem crianças.
Naquela manhã, o único motivo que nos poderia apressar até ao casaco e retirar desajeitadamente o nosso telemóvel, seria o mesmo motivo para o mantermos lá bem no fundo do nosso bolso. A raridade daquele tipo de felicidade visível no rosto dos brincadores merecia ser testemunhada com os nossos próprios olhos e nunca através de uma câmara. Nunca um telemóvel poderia franzir as sobrancelhas de admiração e surpresa que o momento exigia e, logo de seguida, esboçar um sorriso em jeito de satisfação por aquela manhã ter acontecido.
E se nos dissessem que aquela manhã fez parte de um século em que os ecrãs eram os protagonistas nas histórias de vida infantis, tomavam-nos como loucos. E, muitas das vezes, é isso que nos chamam. Loucos por ainda acreditarmos que se pode devolver a rua às crianças. Que as cidades não são apenas dos carros e que nem só de prédios elas se fazem.
E partilhar esta vitória, neste dia, com a Decathlon Leiria teve outro sabor. Porque partilhar não é nunca dividir. Partilhar é multiplicar. Multiplicar a alegria que sentimos por o termos congeminado, a alegria que vimos as crianças sentirem por o terem aproveitado e a alegria que os pais relembraram, por em tempos, o terem experienciado.
E se, eventualmente, por darmos tempo e espaço de brincadeira livre às crianças, nos chamam loucos, é um tipo de loucura que conseguiremos alegremente suportar.
Até porque, no final de contas, o mundo é dos loucos. Dos que sonham, dos que lançam a primeira pedra e dos acordam no outro dia sempre com vontade de tentar. Mais e mais por um mundo melhor. E, se for pelas crianças, mais ainda.
Todas as semanas, momentos como este podem acontecer em Leiria. Existem 4 grupos na cidade que dão oportunidade às crianças de explorar o espaço, o corpo e as brincadeiras. Inscreve o/a teu/a brincador/a num dos grupos existentes na cidade:
3º feiras, 17h30 às 19h30 – Parque Radical de São Romão
3º feiras, 17h às 19h – Jardim da Almuinha Grande
4º feiras, 17h às 19h – Jardim Stº Agostinho
Sábados, 9h30 às 11h30 – Urbanização de Sta. Clara, Parceiros
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